Durante muito tempo a Esclerose Múltipla (EM) foi considerada apenas uma doença autoimune, mediada por uma resposta inflamatória contra antígenos das proteínas componentes da bainha de mielina do SNC. Atualmente os pesquisadores reconhecem, além do componente inflamatório, a existência de um processo neurodegenerativo ao longo do curso da doença que é responsável pela progressão da incapacidade neurológica.
As células do sistema imune, como os linfócitos T, que reagem aos componentes da mielina são chamadas auto-reativas e são mantidas em equilíbrio devido a uma complexa interação de mecanismos imunológicos que resultam no fenômeno conhecido como tolerância imunológica. Esse processo de indução de tolerância dos linfócitos T ocorre durante o processo de maturação do timo, um órgão linfoide que promove a maturação dos linfócitos T.
A manutenção da tolerância envolve a complexa interação entre as células potencialmente auto-reativas, ou seja, com capacidade auto-agressora contra antígenos do próprio organismo e as células com atividade reguladora, que podem atuar tanto através do contato célula a célula como através do aumento de citocinas com ação anti-inflamatória (moléculas envolvidas na emissão de sinais entre as células).
As citocinas são glicoproteínas produzidas por vários tipos celulares que, através da ligação com receptores específicos, possuem a função de sinalizar e facilitar a comunicação entre as células do sistema imune e dos demais sistemas do organismo (cardiovascular, respiratório, etc). Possuem a habilidade de agir em diferentes tipos celulares mediando, por esta razão, diferentes efeitos biológicos. Podem, inclusive, influenciar as próprias células que as secretaram ou células próximas, ou ainda de atuarem distante do local da sua produção. A rede de citocinas é extremamente complexa e as evidências demonstram sua importância na fisiopatologia da EM.
Existem vários tipos celulares implicados na fisiopatologia da EM. Os linfócitos T CD4 são células auxiliares (helpers) de extrema importância para o sistema imune. Após serem apresentados a antígenos específicos eles se diferenciam em alguns subtipos sendo os mais conhecidos Th1 e Th2. Recentemente foram descritos os subtipos Th3 e Th17. Uma descrição de cada subtipo é feita a seguir:
Quando a predominância no microambiente onde o antígeno é apresentado é de IL-12, há o favorecimento da diferenciação em linfócitos Th1 produtores de IFN, ou seja, um braço pró-inflamatório de resposta imune. Por outro lado, níveis elevados de IL-4 favorecem a diferenciação de linfócitos Th2. Esta cooperação entre linfócitos e posterior secreção das citocinas é essencial para a diferenciação, expansão das células e síntese de anticorpos. A produção dos anticorpos pelos plasmócitos, derivados dos linfócitos B, está diretamente ligada à secreção das citocinas.
Após ativação das células T na circulação periférica, elas podem migrar através da barreira hemato-encefálica e liberar citocinas dentro do SNC. Estas citocinas inflamatórias promovem o recrutamento de células fagocitárias (que fazem a digestão de partículas) que vão promover o ataque da mielina.
Inicialmente (na fase inflamatória da doença), 85% dos pacientes apresentam ataques agudos (surtos) com recuperação completa dos sinais e sintomas. Estes surtos são atribuídos a ondas de células Th1 e Th17 que infiltram o SNC. O balanço entre estas células e as células reguladoras é decisivo na determinação da atividade da doença. A fase progressiva da doença parece ser reconhecida como secundária ao processo degenerativo desencadeado pela inflamação. O mecanismo de migração das células para o sistema nervoso central é complexo e depende do contato intimo das células autoreativas e moléculas expressas na parede interna dos vasos sanguíneos (endotélio).
Normalmente, as células endoteliais apresentam baixa adesividade aos leucócitos. No entanto, quando estimuladas pelas citocinas liberadas pelas células inflamatórias, as células endoteliais expressam proteínas necessárias para que os leucócitos possam aderir e migrar para o tecido inflamado. É por esta razão que as células conseguem migrar do sangue para o SNC.
Após atravessarem a barreira hemato-encefálica, as células T patogênicas são reativadas por fragmentos dos antígenos da mielina.
Primeiramente, elas interagem com as algumas células que apresentam o antígeno antes de penetrarem no parênquima. Esta reativação promove liberação adicional de citocinas pró-inflamatórias que estimulam um tipo celular chamado de micróglia no SNC e substâncias quimiotáxicas que atraem e recrutam células adicionais inflamatórias, resultando na liberação de anticorpos e outras proteínas plasmáticas para dentro do SNC.
As células T auto-reativas necessitam da presença do recrutamento secundário dos leucócitos para produzirem ou induzirem a lesão do tecido cerebral.
Quando as células atingem a substância branca do SNC, a resposta imune é direcionada para diferentes antígenos da mielina com participação de anticorpos, ativação de uma cascata de produtos muito lesivos ao tecido cerebral, conhecida como cascata do complemento e linfócitos B. Esses tipos celulares produzem citocinas que estimulam os macrófagos a fagocitarem parte da mielina, levando a desmielinização e, portanto, da formação das placas desmielinizantes, tão conhecidas nessa doença.
Nos últimos 50 anos, houve um aumento de doenças auto-imunes, provavelmente relacionadas a mudanças nos fatores ambientais. Fatores de risco epidemiológicos para EM incluem deficiência de vitamina D, exposição a alguns vírus na infância, o fumo e, mais recentemente, ao alto consumo na ingesta de sal na alimentação. Altas concentrações de sal nos alimentos poderiam estimular as células T a aumentar o nível de interleucina 17, uma citocina pró-inflamatória, que levaria a um aumento da inflamação e, portanto, a uma piora dos sintomas da doença.
A vitamina D é um hormônio modulador do cálcio no organismo que também exerce efeitos imunomoduladores sobre o sistema imune, tendo um papel na inibição das células T auto reativas CD4 e aumento do número de células reguladoras. Estas, por sua vez, equilibrariam o processo inflamatório na doença, além de aumentar a produção de citocinas anti-inflamatórias como a IL-10 e reduzir a produção de citocinas pro-inflamatórias, como a IL-6 e IL-17. Isso conferiria um papel imunomodulador à vitamina D na doença. Entretanto, como a grande parte dos pacientes com EM têm alterações nos seus receptores de vitamina D (VDR), é questionável a reposição dessa vitamina, principalmente em altas doses, já que eles teriam dificuldade em sua absorção, principalmente aqueles pacientes que já apresentam níveis normais de vitamina D no sangue.
Este texto sumariza os principais conceitos imunopatologicos da Esclerose Múltipla que são importantes para o entendimento de um complexo sistema de defesa do organismo que, por falhas na troca de informações celulares, passa a atuar equivocadamente, não garantindo a integridade do próprio organismo, mas sim levando a uma cronicidade de processos patológicos, responsáveis pelos sintomas existentes.
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Eu já fui um doente durante 04 anos, onde eu fui internado no Hospital de Ribeirão Preto, e depois desse tempo todo, representa que não possuo mais....
Sou portadora de EM desde 2001 já fiz uso de COPAXONE,REBIF 44 E muitas internações para pulso-terapias a 3 anos foi suspenso as medicaçoes utilizadas para o tratamento,por não apesentar o resultado esperado. atualmente estou de cadeira de rodas,com perda de controle de tronco e dificuldade com membros superiores qual o tipo de EM que tenho?
Olá Maria de Fátima. Na página Formas clínicas falamos um pouco sobre cada uma delas. Analise de acordo com a presença de surtos e progressão dos sintomas. Seu neurologista poderá lhe tirar esta dúvida.
ola, estou fazendo um trabalho sobre EM, estou fazendo diversas pesquisas e gostaria que mandassem um email sobre a fisiopatologia da doença. desde já agradeço.
Olá Jean, escreva-me diretamente que posso lhe encaminhar alguns materiais caso ainda precise: secretaria.drjunqeira@gmail.com