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Esclerose múltipla: quando parar o tratamento imunomodulador?

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A questão de quando parar o tratamento imunomodulador em pessoas que estão sem sinais de atividade de doença em uso regular destas medicações é complexa e muitas vezes uma decisão difícil de ser tomada, existindo poucos estudos na literatura sobre o assunto.

Para entendermos melhor este assunto, em 2013, publiquei um estudo sobre a evolução radiológica e clínica de pessoas com esclerose múltipla na forma remitente-recorrente, das quais a administração de medicamentos imunomoduladores foi interrompida, tendo sido observado neste grupo de paciente baixíssimo índice de recaídas.

Este estudo, aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Santa Casa de São Paulo, foi realizado entre os anos de 2005 e 2012 e contou com a participação de 40 pacientes que usaram, durante o período mínimo de 5 anos continuamente, um dos quatro imunomoduladores disponíveis à época:

•    30 mg de IFN-Beta 1a (Avonex®) via intramuscular 1 vez por semana;
•    300 mg de IFN-Beta 1b (Betaferon®) via subcutânea a cada 2 dias;
•    22 ou 44 mg de IFN-Beta 1a (Rebif®) via subcutânea 3 vezes por semana;
•    20 mg de acetato de glatirâmer (Copaxone®) via subcutânea diária.

Participaram do estudo pacientes que:

•    Possuíam pelo menos 5 anos livres de atividade de doença (leia sobre o conceito de liberdade de doença);
•    Não tiveram surtos clínicos nesse período;
•    Contavam com carga estável de lesões em ao menos 5 anos de exames de ressonância magnética;
•    Expressaram o desejo de interromper a medicação após compreender os riscos envolvidos.

Tal pesquisa nos indicou, entre outros dados, que 90% desses pacientes ficaram livres de ataques e 85% não tiveram sequer atividade da doença após a suspensão do tratamento imunomodulador durante uma média de 46,3 meses de acompanhamento.

Entre os benefícios da interrupção do tratamento estão a melhoria da qualidade de vida dos pacientes e a redução do impacto econômico da compra de medicamentos pelos sistemas de saúde privado e público.

Os principais argumentos a favor da retirada da medicação nesses pacientes foi que:

1.    Os imunomoduladores sabidamente tem maior efeito em pacientes com intensa atividade inflamatória;

2.    Existem pacientes que possuem formas benignas de esclerose múltipla, nos quais o uso de medicamentos pode não ser mandatório;

3.    A eficácia dos imunomoduladores a longo prazo é desconhecida;

4.    A perspectiva de retirada das medicações nos pacientes estáveis aumenta a adesão aos tratamentos nos pacientes que necessitam utilizá-la;

Esse estudo é importante pois mostra a variabilidade de evolução da esclerose múltipla e traz a descrição da possibilidade de se prosseguir livre de medicação, em pacientes sem sinais de atividade de doença.

O que aprendemos com esse estudo é que os pacientes que possuem bom prognóstico da doença e que se mantiverem estáveis possuem a perspectiva de retirada da medicação, devendo manter-se a vigilância com exames de ressonância magnética periodicamente.

Aos leitores quero deixar muito claro que, infelizmente, estes achados não podem ser generalizados para todos os pacientes, apenas para um grupo selecionado.

Interessante que nenhum destes pacientes utilizou vitamina D no lugar dos imunomoduladores, tema para um próximo post.

Em breve, escreverei mais sobre esse assunto. Se quiser, leia o estudo na íntegra.
Por enquanto, deixo o meu abraço!

Referência:

1. Olival GS1, Cavenaghi VB, Serafim V, Thomaz RB, Tilbery CP. Medication withdrawal may be an option for a select group of patients in relapsing-remitting multiple sclerosis. Arq Neuropsiquiatr. 2013. 71(8):516-20.

Guilherme Olival

Neurologista e pesquisador, atua nos Hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, em São Paulo. Graduado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Residência em neurologia pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Preceptor da residência de neurologia do Centro de Atendimento e Tratamento de Esclerose Múltipla – CATEM – da Santa Casa de São Paulo (primeiro centro de referência em esclerose múltipla do Brasil). Preceptor dos residentes de neurologia e infectologia no Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Ministra aulas para a graduação e pós graduação em Medicina. Já atuou dando aulas para pós-graduação de Neuropsicologia e Distúrbios da Memória da Faculdade de Medicina do ABC, para a pós-graduação em Emergências Neurológicas do Hospital Albert Einstein e para o curso de educação continuada de Neuroinfecção do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Orientador do grupo de Nanoneurobiofísica Brasileiro. • Membro do CRER – Centro de Referência do Tratamento de Esclerose Múltipla e doenças relacionadas do Hospital Sírio Libanês; • Membro do grupo de Neurociências do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e Medicina Tropical da USP; • Membro do Grupo Técnico de Doenças de Neuroimunologia da Secretaria do Estado de São Paulo; • Coordenador científico da Liga de Neurologia da Faculdade da Santa Casa de São Paulo; Website: http://www.doctoralia.com.br/medico/sciascia+do+olival+guilherme-12841301 http://esclerosemultipla.med.br http://drguilhermeolival.com.br

Ver comentários

  • Muito esclarecedora as informações. Estou tendo dificuldades em retirar aqui em Ribeirão preto- sp a medicação o que esta interrompendo meu tratamento, isso e péssimo para evolução do tratamento.

  • Dr. Bom dia. Artigo muito interessante. Você tem como responder, de maneira geral, o que pode ser um bom prognóstico, e se iniciações da doença através de neurite óptica podem se enquadrar nas explanações acima narradas?

    Muito grato. Abraço

    • bom dia minha esposa Neuza de oliveira com 53 anos padece de esclerose múltipla desde novembro de 2016 e tratada com acetato de glamuer copachone ) gostaríamos de ser orientado quanto ao tratamento obrigado Juarez

      • Boa noite Rafael, para avaliação em relação à resposta ao tratamento apenas em avaliação, presencialmente. Diversos critérios são empregados neste sentido, como a ausência de surtos, de progressão dos sintomas e a RM de crânio e medula, que devem estar estáveis, sem novos achados. Assim deseja para ela! Saúde e determinação. Abraços

  • fui diagnosticada com esclerose múltipla desde 2016 uso acetato glatirâmer 20 mg diariamente subcultaneo gostaria de obter mais informações pois meu neurologista atende pelo sus e a procura por ele e muito grande dai ele não consegue dar atendimento adequado a cada um de nos obrigado boa tarde Neuza qualquer orientação por gentileza enviar para o e-mail

    • Olá Neuza, quais informações mais especificamente gostaria de saber sobre o Copaxone? Abs, Thiago.

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