O Fenômeno de Uhthoff

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Doutor, desde que fui tratada com corticoide no hospital minha visão voltou ao normal, mas durante meus banhos percebo que a dor nos olhos e a piora da visão reaparecem, iguais ao surto que apresentei, mas duram só uns 15 minutos…

Essa é a descrição clássica de um sintoma bem característico da Esclerose Múltipla (EM), o Fenômeno de Uhthoff (FU). Este fenômeno foi descrito pelo neurologista Wilhem Uhthoff em 1980 e consiste no reaparecimento de sintomas, semelhantes aos surtos que o paciente já apresentou, durante a elevação da temperatura corporal. Dura poucos minutos a horas e regride à medida que a temperatura corporal se reduz até o normal. Inicialmente foi descrito na neurite óptica mas pode aparecer como uma piora da força em algum membro, da sensibilidade ou de um desequilíbrio/incoordenação prévios, sempre condizente com algum sintoma que o paciente já apresentou.

A causa desse sintoma é a remielinização anômala dos axônios afetados durante um surto. Durante a remielinização podem ocorrer falhas, dessa forma apresentando pontos onde a condução do impulso nervoso pode ser bloqueado. A fisiopatologia consiste na perda da condução saltatória e exposição de uma área desnuda do axônio com um grande contigente de canais de sódio disfuncionantes. Com o aumento da temperatura corporal há uma piora da condução nessas falhas na mielina, podendo aí ocorrer a interrupção do impulso nervoso, logo desencadeando os sintomas característicos da área desmielinizada.

Devemos deixar claro que o sintoma não pode ser inédito e nem pode ser prolongado, sendo tais características condizentes com um possível novo surto. Além disso a presença do fenômeno não implica em progressão da doença e nem configura falha terapêutica.

Como possíveis tratamentos para o Fenômeno de Uhthoff poderiam ser citados:

1)    Mudança comportamental – banhos mais frios, não se expor à ambientes com altas temperaturas

2)    Bloqueadores de canal de sódio – carbamazepina, fenitoína e lamotrigina (sempre em doses baixas)

3)    Derivados 4-aminopiridínicos

Mesmo o sintoma sendo bem característico ele não é específico de EM. Onde ocorrer uma perda da integridade axonal pode aparecer o Fenômeno de Uhthoff como, por exemplo, acidentes vasculares cerebrais (derrames), polineuropatias, doenças metabólicas do sistema nervoso central, estreitamento de canal vertebral, entre outros. Com base no exposto, temos que evitar os rótulos e sempre investigar as possíveis causas para buscar a melhor abordagem.

Referências:

1. Tsolaki F, et al. Uthoff phenomenon – a rare manifestation of a rare disease.  J Paediatr Child Health. 2011 Jun;47(6):396

2. van Diemen HA, van Dongen MM, Dammers JW, Polman CH. Increased visual impairment after exercise (Uhthoff’s phenomenon) in multiple sclerosis: therapeutic possibilities. Eur Neurol. 1992;32(4):231-4.

Diego Salarini

Neurologista pela Santa Casa de São Paulo. Médico Assistente do Hospital do Servidor Estadual (HSPE-SP). Colaborador do Ambulatório de Doenças Desmielinizantes do HSPE. Fellow do Ambulatório de Desordens do Movimento do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Membro da Academia Brasileira de Neurologia. Endereço: R. Haddock Lobo, 578, Conj 102, Cerqueira Cesar - São Paulo Tel: (11) 5573-7537

Ver comentários

  • Boa noite Dr. Diego, fui diagnosticada com EM em 2012 e desde então tenho feito uso de Predinisona 20mg (um ao dia) juntamente com Arcalion, Betadine e Venlafaxina. Tenho três dúvidas:
    1ª - é correto o uso contínuo de corticóide ou teria um outro medicamento específico para EM;
    2ª - a última ressonância magnética que fiz (novembro/2014) não apresenta nova lesão, porém tive novo surto, segundo meu neurologista, em agosto/2014 que afetou os membros inferiores. Pode ocorrer surto sem nova lesão?
    3ª - alguns dos sintomas formigamento (no braço, mãos e perna), fraqueza, cansaço e muito calor vem e vão constantemente e agora tenho tido vertigens, isso é normal?
    Ficarei imensamente grata se o Sr. puder esclarecer minhas dúvidas.
    Tânia

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