A esclerose múltipla (EM) é a doença inflamatória mais comum do sistema nervoso central, podendo evoluir com surtos que podem produzir sequelas motoras, como contrações involuntárias, espasticidade, alterações de marcha e dificuldades com o autocuidado.
Pacientes com EM podem apresentar movimentos involuntários de várias partes do corpo, como membros e pescoço (estes movimentos pertencem a uma síndrome chamada de distonia). Podem ainda ter contrações mantidas de um membro, como ocorre com outras doenças como o derrame, ao que chamamos de espasticidade. Estas contrações e movimentos involuntários impedem a movimentação ampla de um ou mais membros, e podem causar dor. Os membros espásticos podem apresentar espasmos dolorosos, especialmente em resposta a infecções, como escaras e infecções urinárias.
A espasticidade das pernas pode ainda causar problemas ao andar, com quedas e dificuldade para dar as passadas, e em casos mais graves dificuldade com a limpeza dos genitais e com a realização das necessidades fisiológicas, como defecação e micção.
O tratamento da EM não consiste apenas do uso de medicações que alterem a evolução da doença, mas também de técnicas e substâncias que visem à melhora da qualidade de vida do paciente, em especial o alivio das contrações mantidas, dos espasmos dolorosos e dos quadros distônicos.
Entre estes meios terapêuticos, encontra-se a toxina botulínica (BnT). A BnT, em uso na medicina clínica desde 1977, constitui-se na toxina mais potente conhecida. Seus efeitos consistem na paralisia, temporária, dos músculos injetados. A BnT age nas terminações nervosas entre o nervo e o músculo (junções neuromusculares), impedindo a liberação de um neurotransmissor (uma substância que se liga a moléculas receptoras no sistema nervoso), a acetilcolina (ACh) nos receptores do músculo, assim impedindo a contração muscular. Há 7 tipos, ou isoformas, de BnT, e no Brasil é usada somente a tipo A.
A BnT, após ser diluída em soro fisiológico a 0.9%, deve ser aplicada diretamente no músculo envolvido. Por ser aplicação, é feita com seringa e agulha, e pode doer um pouco. A aplicação deve ser realizada por médico treinado, e somente nos pacientes que tiverem indicação de receber a medicação. O procedimento pode ser feito em consultório, e não necessita de anestesia.
Quais as indicações do uso de toxina botulínica?
Conforme discutido acima, a BnT deve ser usada quando há evidência de contrações musculares involuntárias ou espasticidade, com dor e incapacidade. Há a necessidade de uma avaliação médica especializada antes da aplicação, para podermos determinar doses (em unidades), pontos de aplicação e músculos a serem aplicados.
As doses são calculadas pelo médico com base nas recomendações internacionais, no tamanho do músculo, na toxina em uso (há 4 toxinas tipo A em uso no Brasil com indicação para pacientes com EM), em aplicações anteriores (se houver), e na própria experiência do médico, e não há “receita de bolo”, e um mesmo paciente pode acabar recebendo doses diferentes de toxina em aplicações diferentes.
Todos os músculos devem ser injetados em uma mesma sessão (que pode durar minutos), e cada aplicação deve ser seguida por outra somente após um mínimo de 3 meses, para evitar a produção de anticorpos contra a BnT (o que ocorre raramente, mas ocorre!).
Qualquer paciente pode receber a BnT, em qualquer idade, mas há contraindicações, especialmente gestação e lactação (não são conhecidos os efeitos no feto e devemos ter cuidado com recém-nascidos) e condições clínicas graves ou infecções em atividade. Logo, não se aconselha aplicar a BnT em pacientes com insuficiência cardíaca ou respiratória descompensada, insuficiência hepática ou renal descompensada, nem em pacientes com infecções ou inflamações ativas como sinusites, pneumonia, infecções urinárias ou alergias.
A aplicação da BnT deve ser seguida, obrigatoriamente, de fisioterapia, que pode ser iniciada no mesmo dia da aplicação, para que o músculo capte a toxina de forma mais completa e o efeito seja mais eficaz.
Entre as complicações do uso da BnT, temos sintomas gerais como fadiga, sintomas semelhantes a gripe ou mal-estar nos pacientes que fazem uso da medicação pela primeira vez. A aplicação correta não causa maiores problemas, mas a toxina pode difundir-se além do músculo em alguns casos e causar paralisias, por vezes leves e de curta duração, em músculos próximos, ou mais raramente à distância.
A aplicação de BnT na esclerose múltipla segue os mesmos princípios da aplicação em outras doenças, e deve sempre ser considerada uma alternativa, e mesmo como o primeiro tratamento, em pacientes com distonias e espasticidade com dificuldade à locomoção e autocuidado, ou nos casos de dor e incapacidade pelos movimentos.
Referência
- Jankovic J et al. Botulinum Toxin. Therapeutic Clinical Practice and Science. 1ª ed. Saunders Elsevier, 2009.