A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença neurológica crônica inflamatória e degenerativa autoimune do sistema nervoso central. Ocorre principalmente em indivíduos jovens, entre 20 e 40 anos, com maior predileção pelo sexo feminino.
Apesar da incidência (casos novos) da Esclerose Múltipla estar aumentando nos últimos anos, ainda é considerada uma doença rara, cuja incidência média é de 15 casos para 100.000 habitantes. A Organização Mundial de Saúde (OMS) determina o conceito de Doença Rara como aquela presente em até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos.
Por ser uma doença rara, seus sinais e sintomas não são amplamente conhecidos pela população e pela classe médica, o que pode atrasar a procura por atendimento médico especializado.
Na EM ocorrem lesões desmielinizantes do cérebro e medula espinhal. Os pacientes com EM, por um mecanismo não completamente esclarecido, apresentam uma disfunção do sistema imunológico que passa a agredir o sistema nervoso central. À medida que ocorrem os episódios de inflamação e desmielinização, os pacientes podem apresentar os sinais e sintomas da doença: conhecidos como surtos.
Os surtos na Esclerose Múltipla
Conforme o local do sistema nervoso atingido pela desmielinização, o indivíduo com EM pode desenvolver diferentes déficits neurológicos.Caso esse déficit permaneça por mais que 24 horas, chamamos esse evento de surto. A identificação de um novo surto deve ser comunicada ao médico neurologista assistente.
O surto é um sintoma de atividade de doença podendo ser critério de falência da medicação modificadora de doença. É importante, portanto, que o paciente conheça seu próprio corpo e esteja atento a sua ocorrência.
Os sintomas que o indivíduo pode desenvolver ao apresentar um surto são vários como alterações visuais, perda de força, dormência ou formigamento na face, braços ou pernas bem como dificuldade de equilíbrio e alterações esfincterianas (incontinência ou retenção urinária), entre outros.
Como posso identificar os sintomas de um surto?
. Sabemos que o paciente com esclerose múltipla apresenta alguns surtos mais característicos como os descritos a seguir:
- Alterações Visuais
Quando acomete o nervo óptico, o indivíduo desenvolve uma neurite óptica. Nesses casos, esteja atento a uma piora da sua visão: ela pode ficar turva ou embaçada, como se você estivesse enxergando através de um vidro sujo. Pode ainda surgir uma mancha escura no campo da visão, o chamado escotoma visual (figura 1). A visão para cores e sensibilidade ao contraste também pode estar prejudicada. Nesse caso, além de uma dificuldade de diferenciar as tonalidades das cores, uma manifestação pode ser a piora visual logo no início do dia ou ao entardecer. Nos casos de neurite, além da visão prejudicada, outro sinal que pode estar presente e auxiliar na identificação desse surto é dor ao movimentar os olhos.
Outra manifestação visual que o indivíduo pode desenvolver é a visão dupla (diplopia). Esta porém, não está relacionado ao nervo óptico, mas a uma disfunção na movimentação ocular normalmente por uma lesão desmielinizante no tronco encefálico (figura 2) .
- Fraqueza Muscular
A depender do local de acometimento na medula ou, menos frequente, no cérebro, o paciente com EM poderá ter fraqueza em diferentes locais. Pode ser em uma ou ambas as pernas, nos quatro membros ou somente de um lado do corpo. A fraqueza é um sintoma que, quando grave, não gera muita dúvida da sua presença. Já nos casos mais leves, pode ser mais difícil sua identificação. Por isso, observar se você não está conseguindo fazer algum esforço que antes fazia sem dificuldade pode ser útil. Por exemplo, antes não existia qualquer dificuldade em subir escadas, porém agora uma das pernas parece cansar ao fazer essa atividade.
- Alteração de sensibilidade
A alteração de sensibilidade pode ser tátil, térmica ou dolorosa. O paciente pode ter dormência, formigamento ou não ter sensação térmica de uma determinada região. A dormência ou redução da sensibilidade tátil pode ser identificada ao passar a mão em uma região do corpo e não sentir seu próprio toque como nas demais partes da pele. Além disso, pode ser que pela falta de sensibilidade, o indivíduo machuque mais um determinado membro e nem perceba como adquiriu aqueles machucados.
Já o déficit na sensibilidade térmica pode ser identificada ao tomar banho, por exemplo. A água quente ou fria ao cair no corpo pode ser percebida de forma diferente entre os lados direito e esquerdo. É possível também que ao pisar em um chão frio sem calçado, um pé identifique a temperatura mais fria daquele local e outro não.
- Vertigem e desequilíbrio
A vertigem é caracterizada como uma tontura com sensação de que as coisas estão rodando. É possível também que ocorra dificuldade na marcha por desequilíbrio e, às vezes, náuseas e vômitos. Muitas vezes diagnosticados como “labirintite”, esses episódios podem significar um novo surto.
Tenho um sintoma novo: e agora?
O primeiro passo é certificar que se trata de fato de um novo surto. Nem todo déficit ou sintoma novo é necessariamente um surto. Os pacientes com EM podem ter sintomas intermitentes, com duração menor que 24 horas, ou ainda piora de um sintoma de um surto prévio diante de algumas situações. Esses são os chamados pseudo-surtos. Eles podem ocorrer diante de uma elevação de temperatura corporal pelo calor do ambiente, exercício físico ou febre. Na dúvida entre surto e pseudo-surto, o médico pode solicitar exames complementrares para tentar identificar por exemplo alguma infecção que poderia estar precipitando o sintoma.
Caso o déficit seja um novo surto e naqueles casos que o sintoma tenha impacto sobre a funcionalidade do indivíduo, é possível tratá-lo com a pulsoterapia com metilprednisolona. A pulsoterapia consiste na administração de corticóide em doses elevadas por alguns dias com o objetivo de auxiliar no processo de recuperação clínica. Nos pacientes que apresentam um surto mesmo em vigência de droga específica para a Esclerose Múltipla, pode ser necessária a troca dessa medicação devido à falha terapêutica. Por isso, o médico que acompanha o tratamento da paciente com EM deve estar ciente de todo novo surto para que isso seja levado em consideração em sua decisão de manter ou não a medicação atual.
A comunicação entre médico e paciente, especialmente nos pacientes com EM, é fundamental para guiar o plano terapêutico. Para conseguir informar o médico de forma assertiva, o primeiro passo é conhecer o próprio organismo. Esteja atento aos sinais do seu corpo: seja a visão, sensibilidade ou força. Diante de qualquer dúvida e novo sinal, procure o seu médico para que juntos possam traçar a melhor estratégia para o seu caso.
Referências
Brusaferri F, Candelise L. Steroids for multiple sclerosis and optic neuritis: a meta-analysis of randomized controlled clinical trials. J Neurol. 2000;247(6):435-442. doi:10.1007/s004150070172
Galea I, Ward-Abel N, Heesen C. Relapse in multiple sclerosis. BMJ. 2015;350:h1765. Published 2015 Apr 14. doi:10.1136/bmj.h1765
Lublin FD, Baier M, Cutter G. Effect of relapses on development of residual deficit in multiple sclerosis. Neurology. 2003;61(11):1528-1532. doi:10.1212/01.wnl.0000096175.39831.21
Oh J, Vidal-Jordana A, Montalban X. Multiple sclerosis: clinical aspects. Curr Opin Neurol. 2018;31(6):752-759.