Nos últimos anos avançou-se muito em relação ao tratamento da forma recorrente-remitente da esclerose múltipla e à maneira como a monitoramos, especialmente em relação ao uso da ressonância magnética (RM). Felizmente, cada vez mais, temos nos deparado com a situação em que o paciente retorna em consulta sem novos surtos. Eventualmente há ainda queixa de fadiga ou intolerância ao calor, mas nada de crises, de surtos. Ótimo! Entretanto, nos perguntamos neste momento: está tudo de fato sob controle?
A redução do número de surtos é uma das medidas mais empregadas para determinarmos a eficácia de um tratamento. Contudo, não sabemos exatamente qual o impacto da redução do número de surtos sobre o desenvolvimento de incapacidade no futuro. Uma pessoa sem surtos está livre de incapacidade futura? Naturalmente, a ausência de surtos é um ótimo resultado – sim, sem dúvida! – mas já não nos contentamos apenas com este parâmetro. Precisamos de mais. Explico.
Os dois componentes da esclerose múltipla – inflamatório (as lesões vistas à RM) e degenerativo (atrofia também vista à RM) – ocorrem desde o início da doença, em maior ou menor grau. Em alguns casos, a atrofia cerebral pode predominar e evoluir mesmo na ausência de novas lesões ou surtos. Justamente por estar muito relacionada com a incapacidade física e cognitiva, a atrofia cerebral na esclerose múltipla precisa ser bem avaliada e monitorada, a fim de se ajustar o tratamento instituído, e estamos iniciando neste processo.
Estudo recente, publicado em 2014 por pesquisadores da Universidade de Gênova, na Itália, reuniu 13 trabalhos científicos incluindo mais de 13500 pacientes com esclerose múltipla para avaliar o impacto dos tratamentos empregados sobre as lesões e atrofia cerebral vistas à RM de crânio e a ocorrência de incapacidade física dois anos após. Os autores demonstraram que à medida que os tratamentos diminuíam a atrofia cerebral e as lesões ativas, conseguiam diminuir também a incapacidade física, denotando a importância destes dois parâmetros na monitorização do tratamento.
Avaliar o volume cerebral na prática clínica é mais difícil do que as lesões ativas, diria até um desafio, pois depende de programas de computador e demanda tempo para sua análise. Felizmente, já é possível fazê-lo, em casos selecionados, estando alguns centros ou clínicas de radiologia habilitados para este fim. Em geral é feita a solicitação pelo neurologista que acompanha o paciente, muitas vezes sendo necessário contato pessoal com a clínica de radiologia para solicitar esta análise mais “detalhada” do exame. Importante: os exames devem ser feitos sempre no mesmo local, com a mesma técnica empregada, para que possam ser devidamente comparados.
A esclerose múltipla é uma condição que pode evoluir com grande atividade inflamatória no sistema nervoso e expressar ao mesmo tempo poucos sintomas. Por trás da sintomatologia de cada um, estão não somente as questões de ordem pessoal, mas áreas de inflamação e a atrofia cerebral. Esta última, um marcador de grande importância, que passaremos a analisar cada vez mais nos exames de RM. Buscamos, independente da terapia empregada, a manutenção de perdas cerebrais consideradas normais para o envelhecimento. Um objetivo ousado, mas possível, diante dos tratamentos atualmente disponíveis.