Também conhecida como doença de Devic, a neuromielite óptica (NMO) é uma doença inflamatória autoimune que acomete o sistema nervoso central. Considerada por muitos anos como uma variante da esclerose múltipla com envolvimento exclusivo dos nervos ópticos e da medula espinhal, hoje se sabe que são entidades distintas com mecanismos de ação e tratamentos diferentes.
A neuromielite óptica apresenta um biomarcador específico: o anticorpo contra a proteína aquaporina 4. A aquaporina-4 (AQP4) exerce papel regulatório no fluxo de água entre o sangue e o sistema nervoso, mais especificamente, na barreira hemato-encefálica (que separa o sangue do sistema nervoso central) e nas interfaces do líquor com o cérebro.
A AQP4 é altamente expressada em algumas regiões como os nervos ópticos, medula espinhal, nas regiões próximas aos ventrículos cerebrais (periventriculares), hipotálamo e tronco encefálico, sendo estes os locais responsáveis pelos sintomas e quadro clinico da doença. Embora a AQP4 predomine no sistema nervoso central, ela também é encontrada em outros órgãos como os rins, estômago, pulmões, glândulas e músculos esqueléticos. Entretanto a não apresentação de anormalidades clinicas fora do sistema nervoso permanece ainda sem explicações.
Assim, é possível dividir os sintomas conforme o local acometido:
- A neurite óptica pode se manifestar por embaçamento visual; escurecimento ou perda da visão em um ou ambos os olhos, sendo estes sintomas frequentemente precedidos ou associados a dor ocular, principalmente à movimentação ocular.
- A mielite (inflamação da medula espinhal) pode se manifestar por dormência ou sensação de queimação ou formigamento em uma parte do corpo; fraqueza de um ou mais membros; desequilíbrio para andar; alterações do controle da urina e do intestino.
- Lesões no tronco encefálico podem levar a soluços, náusea e vômitos incoercíveis; vertigem; alteração da fala e deglutição; paralisia facial; dor e alteração de sensibilidade na face; perda auditiva e zumbidos.
- Já os sintomas decorrentes das lesões no hipotálamo podem levar a narcolepsia/alterações do sono; anorexia ou hiperfagia; distúrbio na temperatura corporal e até ao coma.
- Por último, há os sintomas relacionados às lesões corticais e subcorticais que podem se manifestar como crises convulsivas, sintomas psiquiátricos e alterações cognitivas.
A neuromielite óptica foi descrita há mais de 150 anos e com o avanço da ciência e compreensão dos casos houve diversas evoluções nas definições diagnósticas. Hoje a compreendemos como um conjunto de manifestações clínicas e laboratoriais que pertencem a uma doença.
Assim, pode se apresentar como um quadro “definido” de neuromielite óptica ou apenas como um “espectro” da NMO (ENMO), quando apenas alguns dos sintomas ou exames laboratoriais estão presentes em um mesmo paciente. Sabemos também que nos encontramos ainda hoje no meio dessa jornada que busca uma definição mais clara e concreta dessa patologia.
Critérios diagnósticos para neuromielite óptica
Os critérios que utilizamos para o diagnóstico de neuromielite óptica “definida” são:
- A presença de ao menos um ataque de neurite óptica e de mielite;
- Ao menos 2 dos 3 critérios de apoio:
a) Lesão contígua na medula espinhal com extensão maior ou igual a 3 corpos vertebrais à ressonância magnética (RM), denominada “longitudinal extensa” por este motivo;
b) RM de crânio que não preencha critérios para esclerose múltipla;
c) Presença do anticorpo anti-aquaporina 4 (AQP4-IgG) no sangue.
Já o recente conceito de “espectro” da NMO (ENMO) consiste na presença concomitante da positividade do AQP4-IgG e apenas um dos eventos iniciais da neuromielite óptica: neurite óptica ou mielite longitudinal extensa. Pode ainda haver associação com outras doenças autoimunes como Lúpus, síndrome de Sjögren, artrite reumatóide e hipotiroidismo.
Mesmo com a classificação de NMO “definida” e de “espectro” da NMO (ou seja, pacientes com apenas neurite ou mielite) alguns casos mais atípicos não se enquadram em nenhuma das duas definições. Em função disso, há também o conceito de espectro expandido da NMO, que compreende pacientes que apresentaram lesões em qualquer um dos 5 locais descritos anteriormente e possuam, pelo menos, um dos seguintes critérios de apoio: soropositividade do AQP4-IgG ou lesões típicas da NMO na RM de crânio.
Abaixo podemos observar um resumo das apresentações clinicas do Espectro da Neuromielite Óptica:
1. Forma completa da neuromielite óptica: neurite óptica e mielite;
2. Formas limitadas de neuromielite óptica com AQP4 (+);
• Mielite transversa longitudinalmente extensa
• Neurite óptica bilateral ou recorrente
3. Forma óptico-espinal da esclerose múltipla com AQP4 (+);
4. Neurite óptica ou mielite longitudinalmente extensa associada a uma doença autoimmune;
5. Neurite óptica ou mielite longitudinalmente extensa associada a lesão cerebral típica de NMO (hipotálamo, corpo caloso, periventricular, tronco encefálico).
Vimos que estamos diante de uma patologia com manifestações complexas que necessitam ser muito bem compreendidas pela história clinica, exame neurológico e exames complementares. É uma afecção que se tem mostrado muito mais frequente no nosso país do que se imaginava e se diagnosticava até poucos anos atrás. O diagnóstico correto implica em um tratamento adequado com melhor controle evolutivo e das sequelas levando a uma diminuição da morbi/mortalidade e uma melhora na qualidade de vida.
Referências
1. Lana-Peixoto, MA and Callegaro, D. The expanded spectrum of neuromyelitis optica: evidences for a new definition. Arq. Neuro-Psiquiatr, Oct 2012;
2. Wingerchuk DM, et al. Revised diagnostic criteria for neuromyelitis optica. Neurology 2006.
3. Wingerchuk D M, et al. The spectrum of neuromyelitis optica. Lancet Neurol 2007.