Nos dias de hoje, a reabilitação é considerada parte fundamental do tratamento da Esclerose Múltipla (EM). Os profissionais responsáveis pelo acompanhamento dos pacientes necessitam de conhecimento e experiência para reconhecer as peculiaridades de cada um e a grande variedade de sintomas que os diferenciam. Como as queixas variam durante o curso da doença, o maior desafio para o profissional é estar preparado para tratar com individualidade e flexibilidade.
No passado, os exercícios físicos eram evitados por pessoas com EM, com o propósito de evitar o aparecimento da fadiga. Como consequência, muitos indivíduos tornaram-se descondicionados prematuramente devido à inatividade, tornando frequentes os sinais de osteoporose e episódios de quedas. Com o passar dos anos e dos resultados de muitos estudos, os benefícios de atividades físicas passaram a ser percebidos e os programas de reabilitação tornaram-se parte fundamental do tratamento da EM. Desde então, muitos estudos tem sido publicados, mostrando a eficácia de treinos aeróbicos, e intervenções para melhora de força, equilíbrio e marcha. No entanto, é importante que os responsáveis por esses programas estejam conscientes das dificuldades que cada paciente possa porventura apresentar.
Diversas evidências indicam que os programas de exercícios planejados e individualizados aumentam a mobilidade, melhoram o desempenho nas atividades diárias, reduzem a fadiga, além de prevenir complicações decorrentes da doença. Em geral, as intervenções têm como objetivo ajudar o paciente a alcançar independência funcional com segurança, dentro de casa e na comunidade, proporcionando qualidade de vida.
Quando iniciar o processo de reabilitação?
A abordagem da fisioterapia vai variar durante o curso da doença. Não existem protocolos, mas sim a necessidade de oferecer alternativas com foco em queixas individuais. O fisioterapeuta deve estar atento a todos os aspectos que podem interferir na mobilidade e função do paciente.
Desde o início da doença, ou logo após o diagnóstico, o paciente já pode se beneficiar desses programas, inclusive os indivíduos sem sintomas ou alterações funcionais.
Para aqueles que não apresentam qualquer disfunção, a fisioterapia tem como objetivo orientar mudanças no estilo de vida, a prática de atividades físicas ou outras atividades que permitam que o indivíduo mantenha seu nível funcional. As orientações sobre mudanças no estilo de vida relacionam-se a estratégias para minimizar a fadiga e o gasto energético durante a realização de atividades cotidianas, evitando assim que o indivíduo deixe de exercer atividades sociais ou profissionais. Dentre as atividades físicas que são orientadas, os treinos aeróbicos, programas de fortalecimento supervisionado, yoga e thai chi, tem sido destacados quanto aos seus benefícios.
Já para aqueles pacientes que apresentam algum grau de comprometimento funcional, a intervenção do fisioterapeuta se faz necessária. A abordagem dependerá das queixas relatadas pelo paciente, mas em geral os objetivos são voltados para melhora da mobilidade. Diversos fatores podem prejudicar a mobilidade de um indivíduo com EM, como a fraqueza muscular, perda de sensibilidade, alterações visuais, aumento de tônus muscular, encurtamentos musculares, dores, fadiga, alterações do equilíbrio, dificuldade para andar, disfunções urinárias e disfunções respiratórias.
O fisioterapeuta consegue modificar esses sintomas através de estratégias que minimizam o impacto funcional. Por exemplo, pacientes com fraqueza muscular podem se beneficiar de programas de fortalecimento muscular de musculaturas preservadas, assim como pacientes com espasticidade se beneficiam de programas de alongamentos musculares. Aqueles com queixas de fadiga experimentam significativa melhora após iniciarem exercícios aeróbicos contínuos. Programas de exercícios aeróbicos também melhoram a força muscular e aspectos emocionais. Treinos específicos de equilíbrio podem reduzir significativamente o número de quedas e aumentar a segurança do paciente para exercer suas atividades diárias com maior independência. É importante lembrar que para a maioria dos pacientes a fadiga pode ser exacerbada pelo calor, sendo assim, as atividades em ambientes com ar condicionado são mais recomendadas.
Os exercícios são também realizados para melhorar o desempenho em tarefas específicas, ou seja, movimentos funcionais realizados nas atividades diárias, como os treinos de independência durante transferências (para a cadeira de rodas, por exemplo), treinos de marcha e equilíbrio ou em qualquer outra situação cotidiana que o paciente encontre alguma barreira.
É importante lembrar que uma das formas da doença – e a mais frequente – é caracterizada por episódios de surtos e remissões. Durante os momentos de surto aconselha-se não realizar atividades físicas intensas, já que esse é um período de maior fraqueza muscular, muitas vezes com privação de sono e outros fatores que poderiam interferir nos ganhos promovidos pela reabilitação. O ideal é esperar pelo menos duas semanas após o surto para retornar às atividades.
Os profissionais que atuam na reabilitação também são responsáveis por indicar o uso de dispositivos auxiliares adequados, tais como bengalas, andadores, cadeira de rodas e órteses. Esses dispositivos têm como objetivo aumentar a independência funcional, a segurança e minimizar a fadiga.
Com o avanço do tratamento medicamentoso que prolonga o tempo entre os surtos e retarda a progressão da doença, tais profissionais passam a ser parte fundamental desse processo, auxiliando o individuo a alcançar e manter sua capacidade funcional e promovendo melhor qualidade de vida ao paciente e seus familiares, tão essenciais no tratamento.
Referências
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