Caros leitores, celebramos hoje o Dia Nacional de Conscientização da Esclerose Múltipla, 30 de agosto. Gostaria de discutir um assunto de extrema importância, que é a prevenção da esclerose múltipla. Caso fossem aplicadas políticas de saúde pública eficazes, acredita-se que a maioria dos casos poderia ser evitada. Vejamos os detalhes no texto abaixo.
Apesar de mais de 100 genes terem sido implicados na EM, há evidências convincentes de que fatores ambientais desempenham um papel importante na determinação do risco para desenvolver a esclerose múltipla, a saber: insuficiência do hormônio vitamina D, obesidade, tabagismo e infecção pelo vírus Epstein-Barr.
Insuficiência do hormônio vitamina D
Estudos recentes mostram que indivíduos que se expõem mais ao sol no início e ao longo da vida têm menores chances de desenvolver esclerose múltipla. Se isso ocorre em função de produzirem mais vitamina D ou se o sol estaria ajudando por algum outro motivo, ainda não se sabe. Sabemos que a níveis deficiência ou insuficiência em nosso meio é comum, chegando a 70% segundo publicação recente.
Os resultados dos estudos epidemiológicos apontam para um papel protetor do hormônio vitamina D na redução do risco de esclerose múltipla, especialmente na infância e adolescência. Possivelmente também na vida intrauterina e na infância, mas ainda aguardando confirmação. Existem também evidências de que corrigir os baixos níveis de vitamina D em pessoas com esclerose múltipla traga benefício clínico.
O nível de vitamina D é avaliado clinicamente por meio da dosagem da 25-hidroxi vitamina D, ou 25(OH)D, que representa os estoques corporais deste pré-hormônio, também conhecido como calcifediol ou calcidiol.
Na prática, indivíduos com deficiência de vitamina D, ou seja, com níveis de 25(OH)D menores que 20 ng/ml, poderiam reduzir o risco de desenvolver esclerose múltipla em cerca de 60% caso elevassem seus níveis para 40 ng/ml. Na maioria dos indivíduos, níveis ótimos de 25(OH)D podem ser conseguidos tomando-se suplementos orais que fornecem entre 1000 e 4000 UI por dia de vitamina D3, sem causar hipercalcemia ou outros efeitos colaterais adversos conhecidos. Há evidências também de que aumentando os níveis de vitamina D poderíamos prevenir a ocorrência de outra doença autoimune, o diabetes tipo 1, ou insulino-dependente, que ocorre em crianças e adolescentes.
Obesidade na infância e adolescência
Obesidade no início da vida (desde a infância até os 20 anos) hoje é tida como outro fator de risco ambiental modificável, dobrando o risco para desenvolver esclerose múltipla. A obesidade aos 20 anos foi associada com um risco aumentado em ambos os sexos. Menores níveis de vitamina D em indivíduos obesos fornece uma das explicações plausíveis, já que os níveis deste hormônio estão mais baixos. Mas outros mecanismos biológicos envolvendo as propriedades imunomoduladoras do tecido adiposo não podem ser excluídos.
Assumindo-se uma prevalência de 17% entre os adolescentes nos Estados Unidos, estima-se que cerca de 15% dos casos de esclerose múltipla poderiam ser evitados através da eliminação de obesidade infantil. Em nosso meio este percentual é semelhante, haja visto estudo recente que identificou 18.2% de obesidade entre jovens de 10 a 15 anos no Rio de Janeiro.
Tabagismo
Os fumantes têm um risco maior de esclerose múltipla do que não fumantes e o risco aumenta com o tempo de exposição e número de maços fumados. Além disso, há evidências de que fumar piora a evolução e progressão da doença.
A cessação do tabagismo pode contribuir para evitarmos um número substancial de casos. Nos Estados Unidos, aproximadamente 18% dos adultos jovens são fumantes, um numero alarmante. Se for eliminado, estima-se que até 8% dos casos de EM poderiam ser evitados. E isso seria ainda mais importante para pessoas com um familiar acometido. Em nosso meio a prevalência de uso de tabaco em adolescentes varia de 2,4% a 22,0%, com uma prevalência média de 9,3%.
Infecção pelo vírus Epstein-Barr
O Vírus Epstein-Barr (EBV) é um herpes vírus, sendo um dos vírus mais comuns em humanos, cuja infecção ocorre principalmente pela transferência oral de saliva. É tão comum que cerca de metade das crianças com cinco anos e de 90 por cento dos adultos têm evidências de infecções prévias. Nas crianças a infecção normalmente não causa sintomas ou é semelhantes às demais infecções brandas da infância, passa quase despercebida.
A teoria da higiene postula que exposição a múltiplas infecções na primeira infância poderia reduzir o risco de esclerose múltipla, por modular a resposta imunológica para um perfil mais “saudável”. Nas sociedades desenvolvidas, muitas pessoas não estão mais sendo expostas ao EBV na infância, vindo esta a ocorrer somente na adolescência. Neste caso, o indivíduo desenvolve um quadro mais intenso, a mononucleose infecciosa, com febre alta, dor de garganta e aumento dos gânglios do pescoço. O que se descobriu é que casos de esclerose múltipla têm ocorrido justamente após a mononucleose infecciosa.
Infelizmente, ainda não dispomos de uma vacina eficaz contra o EBV. Até lá, devemos prestar mais atenção aos indivíduos com mononucleose. Especialmente, checar os níveis de vitamina D e corrigi-lo rapidamente no caso de insuficiência.
Conclusão
A prevenção da esclerose múltipla é hoje possível, e aplicar os conhecimentos adquiridos, nossa obrigação. Estima-se que a quase totalidade dos casos da doença poderia ser evitada se houvesse uma vacina ou outra intervenção que impedisse a infecção pelo EBV e modulasse favoravelmente a resposta imune. Mesmo assim, a maioria dos casos ainda poderia ser evitada ao se evitar o tabagismo, mantendo-se níveis ótimos de vitamina D e prevenindo-se a obesidade. Juntos, a redução destes fatores de risco poderia impedir a ocorrência de cerca de 60% dos casos. Vamos, juntos, fazer a prevenção?