No artigo sobre neurite óptica, percebe-se que a neurite óptica relacionada a esclerose múltipla (EM) possui características típicas que diferenciam das outras doenças inflamatórias do nervo óptico. Entre estas características típicas, ressaltamos o grau de perda de visão (fica em torno de 20/200 ou 10% da visão, ou melhor), unilateralidade (acometimento de um olho em cada crise), baixa taxa de recorrência (crises sucessivas de neurite óptica; 35% em 10 anos) e recuperação da visão após a crise (inicio da recuperação em 2-4 semanas, e a maioria das pessoas fica com visão de 20/40 (50%) ou melhor após a crise). [1][2]
Toda inflamação do nervo óptico que apresente características diferentes das descritas acima é considerada neurite óptica atípica. Neurite óptica atípica não é propriamente uma doença, porém um grupo de doenças inflamatórias que acometem o nervo óptico e que podem confundir com a neurite óptica típica associada à EM. Dentre estas características clínicas atípicas, as principais são: (1) perda visual grave (visão fica pior do que 20/200; ou 0,1; ou 10% da visão), que em alguns casos não consegue enxergar luz; (2) progressão da perda visual > 2 semanas (visão continua piorando após a 2º semana da doença); (3) acometimento bilateral simultâneo (neurite óptica acometendo os dois olhos ao mesmo tempo); (4) ausência de recuperação parcial da visão após 4 semanas do início da doença; (5) ausência de melhora da visão após tratamento com corticóide; (6) corticodependência (ou seja, após a melhora inicial com corticóide, a visão volta a piorar quando a dose do corticóide é reduzida); e (7) recorrência da perda da visão (várias crises de neurite óptica, por exemplo, 2 crises no mesmo ano, ou mais do que 5 crises em 2-3 anos). [3, 4]
Dentro do grupo das neurites ópticas atípicas, a principal representante é a neurite óptica relacionada a neuromielite óptica (NMO) ou doença de Devic, uma doença neurológica que afeta os nervo ópticos (neurite óptica) e a medula espinhal (mielite). [5] Além da NMO, também compõem este grupo: a neurite óptica recorrente (muitas vezes considerada como um subtipo da NMO) [6], neuropatia óptica auto-imune [7], neuropatia óptica inflamatória crônica recorrente [8] e outras mais raras. Todas estas neuropatias ópticas inflamatórias apresentam uma ou mais características atípicas listadas acima em alguma das crises de perda da visão.
Neuromielite óptica (ou doença de Devic)
A neuromielitie óptica (NMO) é uma doença grave do sistema nervoso central que se manifesta por paralisia das pernas secundária à inflamação da medula espinhal e perda da visão associada à neurite óptica.
A perda visual da NMO costuma ser grave (as vezes, não enxerga luz), associada a dor em torno dos olhos e com menor chance de recuperação visual do que a neurite óptica associada à EM. Além disso, é mais comum na neurite óptica da NMO o acometimento simultâneo dos dois olhos e crises recorrentes de neurite óptica. [9] Assim, todo paciente com neurite óptica grave, bilateral ou recorrente deve ser investigado para NMO, mesmo sem acometimento da medula espinhal tendo em vista que a mielite pode ocorrer após meses ou anos da crise da neurite óptica.
Atualmente, o diagnóstico da doença de Devic pode ser confirmado por exame laboratorial através da detecção de um auto-anticorpo presente no sangue conhecido como anti-aquaporina 4. O reconhecimento precoce da neurite óptica atípica como manifestação inicial da neuromielite óptica é muito importante, pois permite iniciar o tratamento adequado da NMO (que é diferente do tratamento da EM) e, assim, diminuir o risco de sequelas graves na visão e na medula espinhal.
Neuropatia óptica auto-imune
Didaticamente, este termo é reservado para a inflamação do nervo óptico associada à doença autoimune (doença causada por autoanticorpos) que não a EM ou NMO. A neuropatia óptica autoimune pode ser secundária a uma doença reumatológica como lúpus eritematoso sistêmico ou granulomatose de Wegener; ou primária do nervo óptico sem associação a doença autoimune sistêmica.[10]
A neuropatia óptica autoimune é uma doença rara caracterizada por perda da visão, presença de autoanticorpos no sangue (como fator antinúcleo FAN e anticardiolipina) e boa resposta ao tratamento com corticóide. Dentre as características atípicas, temos ausência de dor ocular, acometimento bilateral e perda visual progressiva (em vez de súbita como na maioria das neurites ópticas). Uma das características atípicas que deve levantar a suspeita da neuropatia óptica auto-imune é a corticodependencia, ou seja, a tentativa de diminuir a dose do corticóide leva a recorrência da perda da visão. Assim, é importante reconhecer esta doença devido à necessidade de imunossupressão contínua (uso de medicamentos para diminuir a função imune) para evitar a perda visual que pode levar a cegueira.
Neuropatia óptica inflamatória crônica recorrente (CRION)
A neuropatia óptica inflamatória crônica e recorrente (do inglês CRION, chronic relapsing inflammatory optic neuropathy) é um termo recentemente criado para designar neuropatias ópticas inflamatórias que não se enquadravam dentro da definição da neurite óptica típica da EM (devido às características atípicas), da NMO (devido à ausência da mielite e do anticorpo antiaquaporina 4) ou da neuropatia óptica autoimune (devido à ausência de qualquer auto-anticorpo).
Dentre as características atípicas, se destacam a dor ocular intensa e persistente após 1-2 semanas do início da perda visual, pela recorrência da perda visual e dependência ao corticóide para evitar a perda da visão. [8] Não há exames laboratoriais ou de imagem que ajudem a confirmar o diagnostico de CRION, ou seja, o diagnóstico é clínico, e por isso é muito importante o médico reconhecer as características atípicas presente na perda visual associada a esta neurite óptica para início precoce do tratamento e assim diminuir o risco de cegueira.
Referências
- Beck, R.W., et al., Visual function more than 10 years after optic neuritis: experience of the optic neuritis treatment trial. Am J Ophthalmol, 2004. 137(1): p. 77-83.
- Smith, C.H., Optic Neuritis, in Walsh & Hoyt’s Clinical Neuro-Ophthalmology, 6th Edition, N.R.N. Miller, Nancy J, Editor 2006, Lippincott Williams & Wilkins: Philadelphia. p. 293-342.
- Lai, C., et al., Clinical characteristics, therapeutic outcomes of isolated atypical optic neuritis in China. J Neurol Sci, 2011. 305(1-2): p. 38-40.
- Martinelli, V. and S. Bianchi Marzoli, Non-demyelinating optic neuropathy: clinical entities. Neurol Sci, 2001. 22 Suppl 2: p. S55-9.
- Wingerchuk, D.M., et al., The clinical course of neuromyelitis optica (Devic’s syndrome). Neurology, 1999. 53(5): p. 1107-14.
- de Seze, J., et al., Relapsing inflammatory optic neuritis: is it neuromyelitis optica? Neurology, 2008. 70(22): p. 2075-6.
- Frohman, L., et al., Clinical characteristics, diagnostic criteria and therapeutic outcomes in autoimmune optic neuropathy. Br J Ophthalmol, 2009. 93(12): p. 1660-6.
- Petzold, A. and G.T. Plant, Chronic relapsing inflammatory optic neuropathy: a systematic review of 122 cases reported. J Neurol, 2014. 261(1): p. 17-26.
- Papais-Alvarenga, R.M., et al., Clinical course of optic neuritis in patients with relapsing neuromyelitis optica. Arch Ophthalmol, 2008. 126(1): p. 12-6.
- Goodwin, J., Autoimmune optic neuropathy. Curr Neurol Neurosci Rep, 2006. 6(5): p. 396-402.